segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Ela, alta.

Partes demais de um mesmo encontro.

Clara construia seus castelos na fraqueza das nuvens, mas habitava os vastos cômodos com milhares de caixas de seus dias para reler. Sentar e sentir um aperto, aquele apertozinho que seja no peito, quem sabe chorar um pouquinho e soluçar sílabas de afeto ao narrar a história para um amigo que não a conhece. O sorriso alheio a cada página, numa ignorância singela de quem não enxerga nas letras suas próprias cicatrizes, vias estreitas do passado casadas com os feitiços ferozes da memória e da saudade.

Partes demais de um mesmo encontro.

Sucessões ilusórias de sorrisos mal-feitos, expectativas pesadas sobre os seus ombros, paz de esquecimento. Clara só não suportava a angústia dos ciclos, a vida que sai pelos olhos.
Tinha medo do medo tão infeliz que invadia os poros, escapava dos muros altos das ilusões passageiras e a colocava de volta no chão, trazia para dentro de si a verdade gélida nos seus romances plageados e engessava sua dança suave num lapso.

Não se aguentava contida nessa beleza cruel que é doer, na delícia teatral que é se achar infeliz, na retórica reticente dos sonhos da juventude. Não aguentava amar livros e prantos inquebráveis e não ter tempo para devorá-los. Não aguentava diluir certezas em segundos, profanar as muralhas de seus planos incompreendidos e colocar um peso de ponto-final no peito para não saber mais quando se tira.

Clara era perdida nas canções de falácias do seu futuro e nas histórias belíssimas do seu ópio consentido. A rotina de suas horas era uma valsa infinda de mistérios de uma vida que não acaba nunca.

Era importante, e é, que apenas vivesse, e dançasse, e relesse. E vivesse.