Partes demais de um mesmo encontro.
Clara construia seus castelos na fraqueza das nuvens, mas habitava os vastos cômodos com milhares de caixas de seus dias para reler. Sentar e sentir um aperto, aquele apertozinho que seja no peito, quem sabe chorar um pouquinho e soluçar sílabas de afeto ao narrar a história para um amigo que não a conhece. O sorriso alheio a cada página, numa ignorância singela de quem não enxerga nas letras suas próprias cicatrizes, vias estreitas do passado casadas com os feitiços ferozes da memória e da saudade.
Partes demais de um mesmo encontro.
Sucessões ilusórias de sorrisos mal-feitos, expectativas pesadas sobre os seus ombros, paz de esquecimento. Clara só não suportava a angústia dos ciclos, a vida que sai pelos olhos.
Tinha medo do medo tão infeliz que invadia os poros, escapava dos muros altos das ilusões passageiras e a colocava de volta no chão, trazia para dentro de si a verdade gélida nos seus romances plageados e engessava sua dança suave num lapso.
Não se aguentava contida nessa beleza cruel que é doer, na delícia teatral que é se achar infeliz, na retórica reticente dos sonhos da juventude. Não aguentava amar livros e prantos inquebráveis e não ter tempo para devorá-los. Não aguentava diluir certezas em segundos, profanar as muralhas de seus planos incompreendidos e colocar um peso de ponto-final no peito para não saber mais quando se tira.
Clara era perdida nas canções de falácias do seu futuro e nas histórias belíssimas do seu ópio consentido. A rotina de suas horas era uma valsa infinda de mistérios de uma vida que não acaba nunca.
Era importante, e é, que apenas vivesse, e dançasse, e relesse. E vivesse.