segunda-feira, 31 de agosto de 2009

água salgada

Os peixinhos estavam naquele mar. quietinhos como se nada nunca fosse acontecer, não tinham nada pra fazer então foram procriar, treparam, treparam e treparam noites a fio, o coral já estava forrado de ovos e alevinos. e quando cansaram de fornicar, decidiram descer. ir mais fundo naquele infinito e frio universo azul. desceram em níveis, decidiram ir bem devagar porque ficava cada vez mais gelado e também eles eram muito pequeninos pra tanta pressão, poderiam explodir a qualquer momento.
Quanto mais eles desciam mais felizes eles ficavam, era um sentimento de explosão de liberdade, todos eles finalmente se sentiam. O brilho dos animais estranhos que eles encontravam a cada nível dava sentido a cada batida de nadadeira, a massa muscular estava inchando, nunca tiveram tanta força! a respiração estava ofegante, era hora de dar uma parada. ir com calma.
Retomaram a busca de não sei o que. Chegaram num barco de madeira podre, à frente tinha uma sereia que já estava com o nariz e cabelo carcomidos pelo tempo. Deu medo, aquele lugar era estranho e ao mesmo tempo fantástico! Exploraram bem o lugar e viram que eram os únicos peixes daquela espécie alí, foram muito bem recebidos por aqueles escrotos nadantes.
Sentiram a natureza chamando e perceberam que estava na hora de trepar de novo, e assim fizeram até os espermas e óvulos dessa estação acabarem.

domingo, 30 de agosto de 2009

Feio

Querida,

preciso entrar com os olhos na alma e conseguir me dizer o que quero desses dias de rotina lerda, um barco à deriva sem sentido, nem ganho. Ando fraco das pernas e temo pela chuva dos sonhos que podem não chegar, me vejo cada vez mais cativo da força que eles colocam sobre mim, engolindo meus outros planos, os rostos no bar, a vontade falida de sair de casa.

As coisas são tão terríveis de se ver quando não se acredita mais. Tenho conhecido pessoas novas, arquitetado majestosos sorrisos em festas gordas demais, mas não caibo na delicadeza da espera. Não sou sereno e fervo com os braços abertos, meu peito é cheio e morro de saudades de quando éramos sinceros.

Já não sei mais o que dizer e não floreio bonito os textos de sempre. Ontem escrevi no meu diário depois de milhares de anos de ausência e percebi que preciso escrever mais, a coisa mais simples que me vier, e decidi que vou estar mais vezes nas nossas cartas e raízes, porque quero-lhe muito e bem.

Não tenho mais. Tem mais não.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Newsletter ou Como os nossos pais

Você sabe da languidez serena do silêncio, nós estamos perdidos em nós mesmos, fumando ignorância e sobrando pudores. Cada dia deveria ser uma sílaba de uma palavra imensa e sem fim que é viver, essa exclamação que grita. Viva comigo, Raiz, meus ódios e meus lutos, abraços apertadíssimos para tentar romper com tudo que perpetuamos por nossos pais. Queremos ser diferentes e não conseguimos, é a força dos sonhos que se desbota ingênua, é a vontade de deitar no sofá pela tarde vazia, dos raios de desenho animado. É o medinho de não ter no futuro uma mesa na cozinha e feijão na panela, um marido comerciante ou uma esposa com emprego promissor, é o medo de não ser comum, que é o que todos queremos em meio a ressaca de ontem.

E se eu fosse respirar isso tudo, cuspiria o tédio de me imaginar num futuro sem sede, coração e flor. E sem a vontade de amar que não deveria, de fato, descer um degrau a cada ano que repousa nas rugas novas dos nossos rostinhos velhos. Viver sempre na mesma retórica é apenas mais uma prova desse medo latente, um espelho que não se conforma, passos universitários rumo a um mar de dinheiro de costas para o que um dia já foi vontade de nadar contra a corrente. Será que é possível? Tenho pensado tanto, será que é? Existe um limiar muito fino entre o peito que se enche de tanto querer e o fato de papel passado, a alforria do destino traçado, nadar naquele rio gelado do outro lado do mundo e não se sentir um eterno inconsequente.

Só estou tentanto ser diferente, ir diferente. Diferenciar.
Ou isso, ou já vou herdar as meias velhas do meu pai e o bom senso cruel de mamãe.

sábado, 8 de agosto de 2009

obedeci

Vivo em pleno desequilíbrio
marcha de câmbio e de polícia
entre atenção e receio
pé direito pé esquerdo
Vivo em pleno desequilíbrio
sem paz, sem colo
sem pais,
só olho.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

In-próprio

É. Ele tinha razão.

Não só pela maravilha fluida que é o cinema, um útero cheio de cor, mas pelo rosto febril de um teatro de alma, dessa Leal que dança aí pelo palco mais alto. Ele tinha razão. É chocante, os vultos da sina de escrever em paredes e não conceber uma vida sem contágios, seus mesmos gestos, quem sabe a sede de faltar pudores e tudo poder caber numa poesia ou no vermelho mais quente do seu batom. É isso, fala dentro de mim, viver feito Clarice, (des)cansada de si, num desler que não acaba, minha arte é meu medo rabiscado no pulso, como quem teme não parecer que busca sentir todo o tempo. É dessa gente que eu falo, quando falo de nós na infinita besteira ficcional que a gente se torna, às vezes na mesa, às vezes no peito, para traçar uma história paralela àquele nosso pedaço que é tão ordinário quanto o desse povo que sangra dinheiro. É dessa gente que eu falo, Camila, falo até meus dentes azedarem, eu acredito tanto na força dos ossos dobrados de dores da alma, na inconsciência da noite num copo e na beleza de tudo isso picado e batido. Nem me reconheço falando isso tudo, sem ponto e cruz. O bom disso de aprender com os filmes e livros e bocas dos outros é que a gente se sente subindo sem esforço, como que abraçado por pena, vieram me dizer que nos fins só restam os fins em que me diluo, eu me abri pra receber ela, o Daniel não veio pra festa, ele podia ser qualquer um ou a menina que conheci outro dia no bar, depois de anos de chorinhos virtuais. Eu também vi, vi você, ele tinha razão, seus sonhos, seu jeito de gritar e de amar. Eu busco o amor daquela forma, uma nudez de sala, sempre bege, sempre tarde pra me abandonar nela, pra engolir meus discursos, me entupir de vertigens e pizza. Eu vejo que é forte demais isso de ver e sentir e ouvir também. Acho que é bom. Acho que também, agora, encontrei um leito onde escorrer meus excessos.

Ele tinha razão. Ela lembra você.