sábado, 22 de dezembro de 2012

Dentrifício, para não dizer o resto

Ai! Rebuscada vontade de ser outra coisa que não fui. Ai, meus gozos, minhas saídas estratégicas da alma. Ai! Eu ao teatro, eu possesso e colérico, eu ao telefone, sem corpo.

Ai, meus pêlos em riste, minha sedução forjada, meu presente sem denunciar cidade, religião da família, apelidos imperdoáveis.

Ai! Ohs! Horrores! Quanta diferença e percurso! Me transformei, informei, reformei, e voltei cheio de bolsas nos ombros, nos olhos, bolsas de ares poéticos, nobríssimas intenções. Deus sabe que voltei pra evangelizar a família, trazer alegria. Vim ao mundo para fazê-los sorrir. Que raro, que estranho! Virei uma senhora de óculos, discuto a educação dos filhos, as inconsequências dos primos tatuados, corto tomates.

Me tornei uma tia! Santa Bárbara Virgem! Ponho meu robe e escovo a dentura com dentrifício! Dentrifício!!!!

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Vem, me diz

Algumas coisas são mais difíceis de acreditar. Geralmente as melhores.
A gente vai vivendo o quanto dá pra viver em um segundo.
Inventando vícios, arrumando briga, lambendo suores, soprando a fumaça...

Sinto meus olhos cada vez mais como um abismo. Fundos, suados e sonolentos.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Gênese

um algo. um algo em mim, que é indispensável para ser o mundo. o mundo precisa de mim. o mundo tem minhas cores e 'navega nele' navegantes e outros rios. de mim nasce uma corrente às vezes turva e sempre mágica, em si, encantadora e trágica que intempestiva o retalha e modifica. todo o tempo. todo o tempo, eu e o mundo, eu, meu-mundo, nós-mundo, nós no mundo, cada qual um só em muitos. cosmos? como? comos? de que maneiras, em quantos átrios e salões do corpo, dos corpos, das zil origens, dos sem fim de histórias, de que peitos e ideias foi parido o universo percebido pela espécie? minha piscininha de plástico e a ursa-maior, tão íntimos. escorpião, o pião e o mau-gosto pelo futebol, tudo em órbita num universo: eu-planeta, desgraçando a história da humanidade a partir do meu umbigo! quanta generosa prepotência nasce aqui. dum rio que começa numa manhã de domingo e desemboca nos corações de toda a gente, como decidida poesia, ora suave, ora intranquila. por vezes mata, por vezes arrefece.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Ai

Corre pra janela e vê o moço bonito passar.

Queixo comprido, cara de sério, andado estilo macho alfa e nenhuma bunda, peito ou buceta passam desapercebido, os olhos dele engolem tudo.

Continuo observando.

Ombros largos, mãos enormes e tênis confortável. Quem? Quantos? Onde? Gosta? Quer? Gira tudo tudo tudo, que coisa mais bela.
E sem saber de nada, ele entra no carro e o vento insiste em deixar a cena completa.


terça-feira, 25 de setembro de 2012

Se até amanhã de manhã eu não te matar, te escreverei uma carta

Chove. Vê-se uma sala praticamente vazia e empoeirada. Apenas dois móveis: uma cadeira-namoradeira de dois lugares e um ventilador ligado em rotação bem ao lado. Uma luz fraca entra por uma suposta janela à esquerda do palco e uma lâmpada incandescente apagada presa por um fio ao teto desce quase até a altura do rosto de Juju, que está sentado na cadeira.

(entra Rosá)

Rosá (ansiosa, hesitante) - Eu vim sem querer, mas tô aqui tão feliz de te ver. Juro! Será que era pra ser assim? Será que podia ser assim? (pausa) Se eu não viesse te ver eu ía certamente morrer, eu vi a morte. Eu estava mortificada. Eu preciso perder você de alguma maneira. Eu estou mortificada. Cruz! Você... você é cruz! (chora repentinamente) Será que o amor é tudo que existe? Será que o amor é tudo que existe!? (se estapeia)

Juju não se move. Permanece olhando para frente.
Silêncio, somente os sons dos tapas que Rosá dá em si mesma.

Juju - Agora chove.

(pausa longa)

Juju - ... você tem razão..

Juju vira-se para o lado em que está Rosá ainda debatendo-se cada vez mais intensamente, ela para subitamente ao ouví-lo. Ele se levanta.

Juju - ... "o amor é tudo que existe."

Juju sai caminhando e passa por Rosá sem dar-lhe atenção. Antes de deixar o palco, abre um guarda-chuva imaginário, com o qual a cutuca. Sai.
Rosá fica no chão e chora. Depois se levanta e vai até a cadeira e beija o assento onde antes estava o rapaz. O vento do ventilador move seus cabelos. Beija cada vez mais intensa e velozmente a cadeira. Som de chuva se intensifica. Luz cai.


O tempo do amor

I. O tempo do amor é mais ou menos assim:
II. O tempo da dor do amor é mais ou menos assim:
III. O tempo em si do amor (oportuno) dura:
IV. (...) e é mais ou menos assim:

Paradigma

A arte não tem.
O amor não tem.
O amor é arte.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

É tempo de travessia

"Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas
Que já têm a forma do nosso corpo
E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aosmesmos lugares.

É o tempo da travessia,
E se não ousarmos fazê-la,
Teremos ficado para sempre
À margem de nós mesmos."

F P

Flautas e Diretrizes

eu vim, mas só pra você meter a língua no meu calcanhar.

quero achar um meio de voltar e contar todas as mentiras.

eis aqui um texto cagado.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Calúnia

Eu trago a crise dentro de mim,
corroo os pastos.
Seco-os de bom grado.
Eu sou a seca, eu degenero.
Tenho os ouvidos rotos, não gritem!
Veja que não cativo, se não para torturá-lo,
homem.

Eu-trago-a-crise-dentro-de-mim:
eu tranco tuas portas
eu despejo teu gozo, surro teu sentimento.
Sou tua desgraça,
teu temeroso pacto,
o fim da tua retidão.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

- Ainda lembra disso?


Tô com uma impressão de que a vida mudou, encheu, subiu, cresceu. A gente correu o mundo e carregou o lombo. Bons pesos, bons pesos. Te carrego no meu (...) e de súbito, sou levado no seu (...). A vida não vai acabar, o mundo não vai acabar, não há futuro sem calma, que o diga sem pressa. Sigamos na toadinha jovem, em comoventes dois acordes, a voz embargada: compartilhando algumas dúvidas óbvias e algumas outras genialidades exclusivas.

- Que bom.

Mar e céu

Quando me cobre as costas,
quando voz me doa,
quando traz tudo de novo
pela primeiríssima vez.

domingo, 12 de agosto de 2012

Quanto tempo falta para acabar o passeio?

Passo por uma porta e me deparo (...). Fico olhando, a luz se acende. Um belíssimo menino me olha do fundo da sala, vem andando até mim e fecha a porta.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Sonhei que lavava seus pés

A razão pela qual gosto desses fôlegos, desses filmes, dessas paragens no carro no meio da estrada para admirar, é que esses intervalos da vida (interrompendo o borrão) trazem em mim algo que é 4/5 de mim, que são 4 e que são 5 de mim, algo que traz em mim meus sonhos de João Qualquer, a imagem do meu todo comum, a maior revelação da minha humanidade ordinária, meu súbito desenredo, a mente desenrolada de complexidade. Pura inspiração e comovência: o que tenho de mais bonito.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Eleos kai phobos

- Belo!

É claro.
Posto que o outro faz (e pensa) coisas que não faço.

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Somos teus pais

Que estranho era eu: quem? Era eu quem me desgraçava e você era um futuro sem forma ou certeza. Hoje nós travamos diálogos no roçar das costas, passando nas portas antes de dormir, a cosmicidade da nossa relação é sinistra e misteriosa. Meu filho. Meu. Sei do teu curioso desprezo. Quem somos nós e pra quê? Aqueles que te pensaram e acudiram pra que tu fosses um bossau.

Ça valait la peine ou As famílias

As famílias humanas são como as famílias de ratinhos. Todos iguais, todos diferentes. Ninguém lembra que existem bilhões pelo mundo, mais até do que gente. Mais até do que famílias. Blé. As famílias: o que são? Às vezes observo como fiquei mais corajoso que minha mãe em tão pouco tempo. De vez em quando, quando cruzamos os olhos, percebo muito brevemente que hoje meu olhar a aflige. E se por um lado quando a atacam, meus olhos parecem provocar-lhe medo, também por outro às vezes tenho a impressão de que o resultado deste encontro de quatro velhos amigos me oferece um fitar tão certeiro que sempre arrisquei poder ser tomado por algo como um ódio. As famílias simplesmente desconsideram o mundo (lá fora). É como se não houvesse poder paralelo. Penso que às vezes, mesmo muitos anos longe de casa, o poder da família parece ser renovado em áreas distintas: sempre que vencidas, renovam-se. Cheguei num estágio em que nem mais me interessa saber a quantas anda a criteriologia familiar pra determinado assunto, mas de algum modo mesmo o desinteresse acaba me ocorrendo como uma reflexão por si só, ou seja, estamos de volta ao poder renovável. Com os ratinhos também, a família nunca deixa de ser um peso. Até porque embora pensemos pouco neles, sabemos que estão em muito maior número e dispõem de um espaço útil (digo, em que sejam bem vindos) significantemente menor do que o das famílias humanas, que ocupam a parte onde vê-se sol. Sol, inclusive, é algo muito familiar. A família também, não menos que isso, pode ser comparada a um Sol em si: poderosa, centralizadora e mística. A família é um ser em si. Quanto aos ratinhos (vê? Já nos cansamos deles), bem, as famílias humanas os desprezam. Nós os matamos: envenenados, esmagados, degolados. Pobres ratinhos. Mas tudo bem, é quando pensa a família: pelo menos servirá de exemplo pros filhos.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Acho que estou sentindo uma coisa

uma liberdade ascendente

domingo, 17 de junho de 2012

quadro acima

este lindo caos se chama 'me with you', nada mais fiel pra nós dois.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Gestos

Você é uma maravilha de mim. E cuidado, quando eu me seduzir o suficiente, te abandonarei por outro eu.

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Próximo Vôo

Sinto o amor de várias formas, sei que é amor porque meu estômago avisa, meu coração grita e minha garganta entope. escolhi isso como sendo amor, porque é imaturo e inocente, não tenho armas contra, é a natureza agindo e me entrego por me gostar crua.

E esse amor é como se fosse uma artéria que se ramifica, vai pros meus braços, desce minhas costas, embaralha meu estômago, mareja os olhos e enfraquece as penas, tudo de uma vez, como num liquidificador, segredos de cazuza. esse amor eu dei e dou pra um, amo como se fosse uma criança carente, uma puta sedenta, uma mulher curada.

É um sino que badala meus momentos tristes, fomenta meu sorriso, me cega, me faz engolir, me faz querer as cercas brancas. 

Eterno verão

Sobre ir embora desta cidade onde tudo não coube, esqueça. Com quanta força lhe restar pra este trabalho de ser, aja de investir-se inteiro. Quem dos que por quem passa se assumir o mais feliz dos homens, não erre em transmitir-lhe a mensagem: erraste por te fazer ouvido por mim. Todo delírio cíclico é barato. A busca lhe será clara em chuviscos, choviznas, e eventuais tufões no pensamento. Não os dê grande crédito, senão os que eles já lhe têm trazido. Sobre ficar nesta cidade e suportar toda a farra injustificada dos que a têm por direito, aceite, troque sempre por algo melhor, feche pequenos acordos noturnos. Entre duas verdades, adormeça, de preguiça e ódio. Abra (o dia) e tente ver se segue vindo e de onde vem: aquilo que não tens naqueles que não tens.

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Eu minto e depois choro

Hoje não é dia de perdão, nem presença, nem desprezo, nem distância. Nenhum encontro, hoje à noite, ou café, nada cabe (nem erro!), nem pensar num olhar: não é dia de mudança.

Hoje tudo passou:

e todas as partes ainda pulsam. (14/05)

terça-feira, 1 de maio de 2012

Aline virou Alana

Ele era altinho, magrinho. Sempre dado a brincar com a rosca.
Um dia, em tempos de pouca vadiagem, fumava. Pensou alto (os pelos no sovaco):

- Se eu tivesse uma avó, teria virado travesti.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Des(ex)istência

Ouvidos abertos, amargo é quem ouve.
No fundo, meu bem, busque uma voz. Acertiva. Do fundo, um algo perdido, um respeito. Saque dali um tesouro, uma pérola e dê-me. Dê-me sorrindo, suave. Eu não te tratarei como um súdito ou como um bobo. Abraço apertado pelo gosto em revê-lo. Te darei. Que sou bom. Eu sou bom. Tu: louco. Eu fico dentro, eu permaneço. Fico, porque nos olhos: lá estou, no fundo, neste fundo. Ali falo, é onde tenho voz, donde olho: sou seus próprios olhos. A nossa intimidade sob poeira velha nos engasga. Eu te vejo, !, e engasgo.

Rio (perdido). (Choro) saudade. (Penso) (besteira).

E não há nada ali.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

é sim

é tanta coisa, tanta distância, tanto pêlo de gato.
merda deveria virar dinheiro, não o contrário.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Viver não vai ser fácil

Antes que tarde, tudo virou água.
Seca, esplêndida seca.
A vida eterna é aqui.
Os dias só semeiam dias,
frutos que encherão o universo.
Nossas almas ecoarão no além-som,
(além da experiência do som.)
Viver não vai ser fácil, eu te disse.

Viver as horas, oras: horas!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Fruto

Estou suspenso em março, para que me colhas.

Todos os dias, maduro entre tuas árvores: para que me colhas.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Brasil

Pirando e suando em bicas.

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Estreito

Eu provocava nele coisas terríveis, imensuráveis. Dentro do peito, em um segundo. Amor que dá vontade de viver (ele e a vida, e ele na vida). E eu coreografava gestos pra melhor tocá-lo, o meu amor, e para deixar de tocá-lo, quando meu toque falhasse ou quando pudesse, quem sabe, ser melhor em ânsia que em presença. Eu beijava as costas do meu amor, com as unhas roçando a lateral do dorso pra que ele (o meu amor) se lembrasse de mim assim, nos lugares e cruzamentos dos sentidos onde ninguém mais seria capaz de mapear igual ou próximo. Eu virava o meu amor de frente e enfrentava os olhos como os de alguém querido, ou de um inimigo desmedido. Tudo isso fortemente, pra que tudo fosse grande, como tudo podia ser e nunca o é. É grande e vivo dentro de nós e não sai. Farras hormonais com meu amor dentro de nós, e os corpos se flechando e se metendo um no outro em encaixes perfeitos, a pele de um réptil, lisos, nus, no ar, dias na cama suja com meu amor. Rimos muito quando nos reencontramos mais velhos e mais leves. Todas as questões impronunciáveis rapidamente vomitadas com cerveja. Abraço forte de despedida no meu ex-amor que fica, pena e ternura inflando meu coração violento. Tudo certo com meu ex-amor, agora estou lançado (por ele) à vida e aos outros. Lancei-o igualmente, com a alegria duradoura que consegui desejar-lhe num futuro sem mim, mas com meus dogmas incrustados. E eu estarei, portanto (e contudo) no meu amor, nos seus amores próximos. Fiquei derramado do cabelo às costas e delas ao sexo, feito uma pele nova para seus novos prazeres. E fico bem, e vou-me bem, e deixo-o bem, imenso e tudo que me foi, não por isso menos inexato e triste: deixo-o, sem deixá-lo, vou sem ir, guardo-o bem dentro, no centro do nada, pra esquecê-lo, lembrando sempre do meu amor, o meu isso, o meu aquilo, a minha pele (talvez também), e as outras coisas indizíveis que preciso dizer antes de ir.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Escrever tem sabor de merda

(cartas e raízes)
casas de juízes
fartas e felizes
martas e luíses
e casas de meretrizes
e crises nos países:
kkkkartas e hahahaízes

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

de boca

preciso de um lugar para as minhas baleias, meus elefantes, cavalos e pássaros.

preciso da liberdade de um amor e de muita água.

preciso ter o céu como gaiola.

tudo isso aos poucos, existindo em silêncio.

preciso de um emprego.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Garras

Tijolinhos de cozinha me trouxeram para a cidade com garras. Aqui n~ao tenho mais l'ingua.

Aqui n~ao tenho mais meus sinais. Mais um no mundo de falantes desesperados.



Aqui me sinto em casa, boas casas de nunca mais, com gente esquecida, com amigos de sempre. Pragas, maldi'coes e venturas. Bons acertos que sucedem os erros. Minha linguagem ainda 'e a dos verbos. Pobre e simples.

Um rio e quatro pontes. Alegria 'e dif'icil de se p^or pra dentro. Quem disse?


Eu vi.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Conversation about time:

- Where am I?

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

quero nada, quero nada

começa com uma azia, piora com o cigarro,

remédio não é alimento.

mete o dedo COM FORÇA na guela, vomita aquela gosma brilhante e peluda. Finalmente volta a realidade.

sábado, 7 de janeiro de 2012

Tauto

Há aqueles que nunca se leem. Eu não. Me leio e aprendo comigo constantemente. Ao estado divino da minha loucura devo um respeito igual ao que ofertaria a um gênio.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O não A


Um homem entra numa via sem volta e sofre tortura das maiores do universo: concebê-lo.

Após poucos minutos, talvez milésimos em que se expôs a essa violência totipotente, sai da máquina dando passos esparsos e lentos, sem nenhum medo da vida. Não reage a absolutamente nada, mesmo seus átomos estão congelados em solene espera. Passa pouco tempo, nota-se a fração do quadrante superior direito de seu rosto começando a se desdobrar para fora da face, a tez se abrindo em linhas e cortes e se desencaixando do todo. É como uma peça de uma montagem de blocos empilhados que de repente tomba para fora da montagem, o olho, desde a altura da têmpora fica pendurado ao lado do alto da bochecha como se fosse um pedaço de pele morta, mas rígida, como se de porcelana pintada, desdobrado sobre a cútis viva.

Como que se derretendo em sólidos.
Como que desmontando-se.

Assim que caíram os primeiros blocos a estrutura do corpo se rompia em peças que tombavam sobre outras peças e percebemos que todo o corpo havia se desmontado em um quebra-cabeças, em que um elemento debruçava-se sobre o outro reajustando a figura e provocando um movimento de reconcepção infinito. O movimento sobre si mesmo, eternamente, por toda a dimensão sombria dos anos. Castigo absurdo. Coitado! Obra inacabada. O homem que concebeu o universo percorreu todas as vias do inconcebível se montando e desmontando numa eterna composição frustrada, que nunca se adequa, que não se goza. Apenas move-se.






(à bulangéria, às flores e à parede branca da casa da Isoca, lisonjeada por não mais o ser)

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Fado e facto


Eu amo.

Estes vales longos da minha rua. As pessoas que me presentearam com suas vindas, e idas. Ninguém sabe da minha felicidade vazia de sentido. Esta cidade cheia de encantos particulares, meus amigos novos, minha embriaguez severa portuense.

Voltem e não voltem para essa rua bonita. Minha Oca, meus doentes, meu número setenta. Do que tento falar, são o que tentam todos sobre suas próprias janelas, a inspiração de viver para sempre se dependesse só da grandiosidade delas, das inconcretas conclusões que temos quando lançados ao mundo através delas. Santas protuberâncias: janelas, sacadas, varandas, abismos. Hão de matar-nos e reviver-nos. Eu hoje sei que não faz sentido ser sóbrio num mundo de delírios de Liziane Guazina, maravilha brasileira. Não vale a pena ser lúcido, ou menos que embriagado. Reconheço tamanha proeza da vida.

Um amálgama: eu, esta terra, todos os efeitos da nossa reciprocidade. Tudo me é salientado com ares de despedida, porque amo, claro, posto na cruz pelo tempo.

Quanto mais tenho mais, mais sei que menos terei mais.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

O mundo que bonito o vê


Tenho já o percorrido.

Novos cantores, muitas cores, os abraços dos sem sexo. Pulinhos. Minhas coisas favoritas.
O mundo de alegria já começou, em linhas de quem escreve e não é escritor, chegou à maneira de meninos moles, molinhos. Está com a gente em casa velha, porque gosta. Drogados legais. Filhos abrindo os olhos dos pais. Pais menos sábios.

Eu vejo um mundo que acha bonito o mundo. Sem promessas que não irão ser. E no antigo hábito cristão, o triunfo pagão da virada dos anos, um minuto há de bons mulhomens sobre a Terra, recalcados de boas intenções, uns apertos efêmeros tomados por : só encanto desincronizado de relógios. Depende de onde se está, o ano dura mais ou menos, um dia a menos ou a mais em vizinhos de um mesmo mundo onde tudo dói de tão igual. Entre a ponta de um ano e outro, tudo que não se sabe é possível e a juventude é só mais um dos dons.

Eu vejo um mundo encantado pelo mundo. Nas cartas dos meus amigos, na rapsódia involuntária dos velhos portugueses sentados nos ônibus, cheíssimos de rugas, mais velhos que o mundo todo, ora, ex-conquistadores. Vejo nas desavenças, no rio, esteja sóbrio ou ébrio, eis uma conclusão agradável. Que ama a si, e muito ama, o mundo em que estou. Um imenso e imensurável prepotente que nos acolhe e bem.

(começo a entender grandes poetas sem consagrá-los. Redundante, portanto.)