segunda-feira, 24 de outubro de 2011

- sua filha vai ser puta

- como assim?
- ué, não sei, só acho

chega ela e já é sol quente. tira o salto e, pisando de fininho, foge logo pro seu quarto.

- mas de onde você tirou essa idéia?
- já disse que não sei, foi uma coisa que me veio do nada, mas esquece isso e presta atenção no trânsito
- agora não adianta, não vou esquecer assim do nada, caraca...

chupa ela o carona pra sua casa. abre o zíper devagar e lambe.

- que filha da puta esse cara da moto, porra
- você estava na faixa errada
- não estava, sempre faço isso
- olhe a sinalização! o motoqu
- caralho, é mesmo, hahahahhaha

muito bebe e muito fuma ela com amigos de mesa e um ou dois da vida. celebram e choram por dentro a cada gole, cada um no seu mundo, dividinho segredos e flechas a cada trago, um momento sincero de carência e fuga. fecha sempre o bar preferido, fica ela e os homens. as meninas já foram e ela ainda sente sede.

- e você? seu filho vai ser gay?
- isso ele decide
- mas minha filha também pode "decidir" não ser puta
- claro, ela não vai ser do tipo saia curta e meia calça no frio pra sobreviver, ela vai ser free
-
nossa, tomara que seu filho seja gay pra você parar de falar que a filha dos outros vai ser PUTA!
- tomara mesmo e pode ter certeza que o primeiro cú da vida dele será o dela.

domingo, 16 de outubro de 2011

Rua do professor

Na minha rua começam as pedras fluindo pra norte, onde já nos perdemos. Um jipe azul fica parado na porta do número 70, duma cerquinha baixa e insegura de madeira, envolvendo as plantinhas da Dona Isabela, todos os dias regadas com o tempo que a excede. A minha rua tem a cara das cidades em que lá nunca fui, em que lá nunca irei. Acho que poderia até ter um nome de um país ou de uma flor: rua hortência ou rua Holanda, sei lá. Que besteira. Tudo porque quando a vejo, vejo que a minha rua já viu você que me , e que, porque pode ser que me leia, me cobra outro fôlego, oferecendo novos apertos. A minha rua já nos viu beijar e me viu descendo trôpego nos primeiros dias daqui... passados, passadinhos remotos. Ela é bonita e contém a minha casa, a terceira ou quarta das que já amei na vida. estão. Esta minha rua, esta minha casa e este você: os terceiros ou quartos dos que já amei na vida.



(tudo tão bobo, tudo tão bom)

sábado, 8 de outubro de 2011

revolução

sublimei alma, agora tô mordendo carnes

"canta coração, que essa alma precisa de ilusão"

segunda-feira, 3 de outubro de 2011

Desapaixonar-se

Subitamente desinteressar-se. Murchar-se, final de rua, constrangimento insuportável. Doença, dor de garganta com saliva. Afastamento que alivia, saudade sem forma, memória inconsistente. Ácido que não corrói, cômica incompatibilidade, vontade e coragem pra morrer. Desapaixonar-se: emergir, eclodir, desabrochar. Voltar a ler, comer, dormir, sonhar com dinheiro. Desapaixonar-se, forrar-se, polir-se até parecer que nem foi. Enlouquecer-se, enfurecer-se, foder-se, foder à pala, reinventar o amor, despudorar-se, mais e mais e mais. Mentir-se, sobretudo isso: mentir-se! A si, aos outros e com outros. Beber-se de engano e de burrice, desapaixonar-se entornando, abrindo, arregaçando, desautorizar-se, dez mil vezes desatar-se, sem fim, sem meios, freios, desapaixonar-se de amor, enlouquecidamente encontrar-se: desesperar-se!
Choro encolhido na cama, rasgando tecido: desapaixono-me e encharco-me, gozo-me, desminto-me,

DE-SO-RI-EN-TO-ME.