sábado, 27 de novembro de 2010

a cavalo

nas poucas e cobradas visitas, sinto que aqui tiro minhas tripas pra você como se fosse num café, olhos perdidos, tête à tête.
que seja breve o encontro na cidade-mãe

sinto e sinto

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

ª (º)

meu deus, eu penso, por que nasci tão forte?



-desaba a casa, eu fico mais alta

-acaba o dinheiro, eu fico rica

-acaba a paciência, eu corro

-acaba a memória, eu choro



meu deus, ganho de você numa mesa de bar

sábado, 20 de novembro de 2010

Lúcifer

Filho,

um dia o papai olhou pro Sol e amou.
um dia o papai tava sentado assim, vivendo bem, sabendo que era assim que se vive, olhou distraído pro Sol, sem saber do poder imenso que tem o Sol e descobriu tudo.
Filho, um dia o papai olhou pro Sol e viu que tudo só podia vir dali, era imenso demais todos aqueles líquidos que saem do Sol e se derramam nos concretos brancos de Brasília, filho, o papai nem sabia se fugia, se entrava no bloco, subia as escadas, fechava as persianas. Acho que o papai não podia, porque nesse dia em que o papai olhou pro Sol ele viu absolutamente tudo. E o papai percebeu que se as coisas são assim tão cobertas pelo Sol, tão violadas por sua indecência incandescente, tão estupradas por seu brilho, se as coisas são assim, o papai pensou que tudo só podia vir dali e era então como se o papai entendesse que na verdade o Sol era terra, terra fértil que rendia tudo de nós, e era a Terra que iluminava o Sol porque eram por direito os primeiros amantes possíveis, e nesse amor de cuidados que o Sol nutria pela Terra, ficava cativo de uma outra luz em troca. Por isso tantos presentes, filho, por isso tanto brilho, tanto verde no verde solar, tanto azul no azul que amanhece. Filho, um dia o papai olhou pro Sol e viu você, meu Deus, como viu. É bonito assim, é simplesmente bonito, por isso cansa, por isso irrita, filho, como te escrevo. Mas não. Está tudo lá, a história e a História.

Filho, um dia o papai olhou pro Sol e nasceu.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Tentando ser como eles foram

Eu não sei.
- O que é poeta?

Eu o indago.
- O que é, poeta?

Eu o vejo.
- O que é poeta.








(mas já se foram e eu vivo)

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

6

Somos brasileiros. Às vezes nem me lembro.
É aí que penso como é estranha a relação que opõe a espera de Deus ao samba. O samba que nós, brasileiros, sabemos bem (os refrões).

terça-feira, 9 de novembro de 2010

5

Que bordel imenso em que vivemos, Raiz. Cada novo dia é parir um filho pra morrer no amanhã.

Digite um ponto, um pontinho.

domingo, 7 de novembro de 2010

4

amar sem recíproca é ainda melhor.

sábado, 6 de novembro de 2010

3

Quando eu passo por desconhecidos no corredor fico pasmo com o eco, com o oco que existe entre a minha indiferença à existência dessa pessoa e meu amor imenso pelo mundo e pela raiz da raiz das coisas que eu nunca vou saber sobre tanta gente.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

2

É preciso brigar, assim como é preciso perder.

É preciso, porque um dia nunca garante o outro.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

1

Estou de volta com os números pra dizer que só hoje entendi que pule é um anagrama para lupe.

Bom reler nossas cartas antigas.

Meu dia

Acordei tarde. Ela em cima da minha cama, mas na de cima. Tarde. Não deu pra almoçar. Voltei pra cortar o cabelo. Fiquei uns anos mais novo e mais limpo. Não deu ainda pra dar uma resposta pro espelho. Meu amigo chegou. Ele nunca veio aqui. Eu também estou aqui há pouco. A casa nova já é uma bagunça. Nunca vou ser organizado. Saí pra comer a comida que ajudei a comprar. Comi bem. Falei sobre viajar. Visitei a pensão. A dona continua velha e madrinha. Gosto do café e de seus hábitos. Fumamos. Ela fuma muito. Será que morrerá disso? Será que antes de mim? Fumamos outra vez. Estamos fumando em cigarros separados. Deve ser a separação. Choveu. Choveu o dia todo. Pensamos na noite. A noite é sempre uma atribuição desnecessária. Nos dá preguiça, mas somos seus entusiastas frustrados. Voltei. Não queria subir, nem ficar. Meu primo estuda bastante agora. Engraçado como isso tem tudo a ver com arte. Ele é sereno e meio corcunda. É um menino bonito. A casa estava uma bagunça. A culpa é também minha. Desci. Encontrei uma nova vizinha que me lembrava alguém. Quem sabe sejamos amigos. Aprendi que nunca se sabe que. Vim ver um filme que comecei a ver ontem. O filme é um duelo. Sempre um duelo. Não dá pra ficar no filme e sair da vida. Nem o contrário. Às vezes dá vontade de tocar qualquer coisa que está perto. Só pela proximidade, que é meio imã. Ainda desenvolvo uma teoria sobre isso. O filme acabou. Eu desci pra fumar. Fumo muito por causa da pensão. Na verdade, sempre quis fumar muito. Não é possível que isso vai me matar também. Fiquei fumando e andando com frio. Quando chove, a fumaça é mais grossa e precipita. Parece que estou pensando mais, mas é só um estímulo visual maior. FIAT. Aparecia FIAT. Nunca tinha reparado que o A é mais torto. Alguém pensou nisso e eu duvido que alguém já reparou. É impossível fugir da vida, dos carros e dos fatos. O mundo é notícia. Meu dia é curto. Eu penso. E penso que penso. Acho que não vou ter um carro antes dos 30. Não vai ser por falta de dinheiro. Subi. Tenho as meias nas canelas. Ser feio. Sentei pra escrever, porque já pensava em escrever. Quando escrevo, leio o que escrevo, totalmente afetado pelo tom da narrativa do filme. Ela é linear e seca. Não tem tom. Cada ponto é um fim de frase modorrento. Ninguém vai entender. Eu me sinto imensamente confortado por isso. Eu sou maior do que tudo que já vivi. E, de repente, tudo isso pode ser verdade. Pai, eu nunca vou ser você, porque você nunca me foi.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Ídolo

Ele era daqueles que encantava uma mesa inteira de bar com discursos sobre amar, liberdade, meus avós falidos, nosso futuro de esplendor.
Sorria à revelia, mas quando chegava em casa era ainda mais doído saber o quanto a roupa da noite fedia a seus próprios dotes corruptos.

Pr'além

Sempre senti que precisava de grandes coisas na vida. Fui uma criança (que frase estranha) muito intuitiva, muito atenta ao mundo. Me lembro que sentia reações na pele de acordo com o que ia vivendo, lembro especialmente da boa sensação de estar acolhido, naquela cabaninha de lençois que eu e metade do mundo já montamos no quarto (será que aprendemos todos nos filmes ou toda criança tem a mesma ideia genial?).

Sempre senti tanto que ia viver muito, muita coisa. Mas nunca imaginei que chegaria até aqui. Esses momentos de silêncio, essa vida que se pensa, esse eu.

Ele não errou: Isso de ser exatamente o que se é ainda vai nos levar além.


Neste momento explodo. Pr'além.