sábado, 29 de janeiro de 2011

Ardentidia

Era um belo fim de tarde no lago, quando descobri que a minha (c)alma nunca iria chegar.

As horas do dia têm suas caras pra mim, eu as sinto com seus poderes únicos, irreproduzíveis. Minuto a minuto mutáveis. Percebo nos silêncios e nas transições desse trabalho velado, que o Sol tem um respeito para cada uma das horas e cada um dos seus choros.

Meio dia, sempre vejo, é quase ensurdecedor. Ele é longe demais das beiradas do dia e as coisas batem frio no coração com ignorância e desespero.

A tarde amanhece, às duas, sempre outonal. A tarde é um espírito envelhecido que não tem pressa, nem ilusão. Suave e ensolarada, espiã dos apartamentos altos com senhoras frustradíssimas trancadas dentro, cruelmente extensa: a tarde e seus lanchinhos, seus chazinhos, seus expedientes fechando e dando lugar ao santo prostíbulo da noite.

A minha alma nunca terá zelo, calma então... a noite estuprou tudo que eu cultivei por anos, casto, dormindo cedo. Arranquei roupas e fedi, entortei rosto, comi esterco. A(`) noite. É um pote com lama grossa e pantanosa, quando se coloca a mão pela primeira vez parece que sequer afunda. Depois é moroso e sensível o trabalho bendito da noite, suas amarras e seus gastos sem fundamento.

Cada hora tem seu aviso de corra, de morra, de não. É possível, quem sabe, entendê-las, fazê-las fluidas, mas não adianta fugir: