terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Invento

Toda beleza segue oculta pela velocidade das coisas. Só me resta fé.

- Oi, meu amor. Eu acabei de o parir e a primeira coisa que eu vou lhe dizer é que: todas as boas sensações são passageiras.

Imagine sair de baixo dos seus cobertores direto pra'o mundo, sentar pra tomar um café na avenida central, pra digerir a noite seguida da noite. Olhar para os prédios velhos, entorpecido de amar. Fora do cotidiano arrastado das outras pessoas. Sem elo algum com carros, crianças, os preços, os barulhos.
Um mundo de horas e gente, carregando consigo a imensa frivolidade das coisas sem amor.

- Oi, meu amor! Não faremos um filho. Nem em você, nem em mim.

Pestanas longas à volta dos olhos de não-sei-quê, bonitos como não-sei-quê-mais. Tão bonito que até sinto um... E a impossibilidade de discernir carência e paixão, atração e vontade, piedade e admiração me faz ficar mergulhado nessa caldeira imensa e fervente de amar de par em par nas estações: uma sim, outra não. A velocidade das coisas, os dias perdidos, os dias sem ver o sol. Quanta ignorância.

- Oi, meu amor. Últimas palavras, prometo. Enquanto eu falo, a confiança vira ódio e eu vou tentando dar a forma final às coisas que eu senti, deixando-as no estado em que se instalarão na memória, no peito e na masturbação. Olha, ficou tarde pra falar de tudo que não gostei, agora me sinto meio humilhado. Mas continue assim, tá ótimo, tudo ótimo, tô com um pouco de pressa... bem, seja feliz e... sei lá... felicidades.




(no epílogo, quem vai embora fraqueja as pernas na calçada, depois de descer as escadas com rosto confiante e bater a porta. Olhando pra cima, vê a janela do apartamento, onde tudo fica. Fraqueja e cai na guarita do prédio seguinte, chorando escondido. Ridiculamente natural.)