quarta-feira, 8 de junho de 2011

A serpente

Era má, Gaivota, a serpente. Era má. Certo dia, deslizando pelas campanhas imensas daquela terra donde nunca saíra, refletia sobre transformar o mundo, as sociedades, os tempos. Ideias rarefeitas, inoperantes. Gaivota já sabia que morreria ali mesmo. O tempo mata as vontades. Sabia também que não fazia nenhum sentido rastejar, rastejar, comer, rastejar. Sequer piscar era um direito dos seus! Pra quê? Pra quê mundo? Ficava na beirada de um horizonte vendo terrão até no limite do outro: território do absoluto e do homogêneo. Maldita vida sem vida. Não hei de agir?

Pra quê? Pra quem?

E tinha ser tolo que lhe tirava a paciência e a fazia pensar em sequer se reproduzir. Pra quê!? Vivia transcendendo, mas não saía dali. Se soubesse que o horizonte não acaba nele... Nisso nunca pensou. Bobinha. Via uma folhinha verde do lado de uma amarela e já desatava a pentear a mente: tantas associações geniais. Ninguém soube. Só eu e eu nunca contei pra ninguém. Nem lembro mais. Folhinha verde, folhinha amarela, ourinho, chuvinha, tristeza crua, felicidade madura, azul, verde, amarelo, irmão e irmã. Besteira! Parava de pensar. Não dava conta: pensava no parar.
Gaivota passou a vida assim que não fez nada de útil. Só pensou. Pensou demais! Morreu perplexa. Tadinha.