sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Pensar com o coração me obriga a pensar (e confessar)

Numa bancada de jornal um jornalista. Num sofá uma noivinha. Embaixo do sofá vive um mendigo. O mendigo bebe a água do jornalista e fica bêbado. A noivinha bebe a cachaça do mendigo depois de consagrá-la. O jornalista que fala do PIB não sabe que o PIB destinado ao mendigo é um por cento de um por cento de um por cento de um por cento de um por cento de um por cento de um por cento de um por cento de um por cento mas também não sabe que o mendigo sabe que ele é um. O jornalista não sabe que é um mas pensa que é o único. A noivinha pensa que não é ninguém e tudo a assusta, pois são muitas pessoas na tela do jornal, que é uma tela de celular. A tela do celular incomoda o sono do mendigo. O mendigo alfineta a bunda da noivinha. A noivinha faz um boquete no jornalista. Cada notícia é a vida de alguém. Ela sofre com isso. Ela sonha com isso. Ela baila com isso. Que desespero. Quanto amor de Jesus. A noivinha se importa com todo mundo. O jornalista está de cuecas sob a mesa. O mendigo não é visto por ninguém, mas está na notícia. A noivinha tem pena dele quando o vê na TV, mas também nojo quando o vê ao vivo, e por isso o esconde embaixo do seu sofá. O mendigo coloca cachaça na bebida do jornalista. A noivinha salva o jornalista trocando o copo por um abençoado com água que ela roubou do mendigo que tinha roubado do jornalista. O celular TV não para de disparar notícias. O jornalista nunca para de trabalhar. A vida é tão cheia de acontecimento. A noivinha está entendiada. Tantas pessoas nas notícias mas nenhuma entra pela porta. Ela não sabe o que é commodity. O jornalista também não sabe mas sabe ler a palavra commodity. Ninguém viu no palco nenhuma commodity passar. O mendigo come milho cozido sem se importar se é ou não uma commodity. A noivinha aprende a mexer o pescoço e a dizer não. O jornalista aprende a cantar notícias e a chorar notícias. O mendigo faz xixi em cima do sofá. Nada importa, quando eles querem se sentir mais alegres. Precisam disso. Isso é uma dança do coração. Eles se dão conta de que o sofá está de frente para a bancada. A bancada do jornalista é um grande celular que a noivinha assiste enquanto o mendigo toma uma skolzinha embaixo do sofá ou embaixo da bancada. É uma dança falada. São palavras que vem do coração. São palavras que resistem a vir do coração. São palavras que estão explodindo o que vem do coração. É um grande coração. Se chama Jornal Nacional, ou Jornal Popular, e no final todxs querem mais. Pratos vazios batem nas paredes num canto fraco melodioso que diz: - eu quero mais e termina com taaaaaaaan taaaaaaaaaan do hino nacional.


É um ebó. É uma limpeza das imantações negativas do lado esquerdo do corpo.
É uma dança torcida que quer expurgar o horror como carranca. É um choro que canta e vice-versa.
É sobre não saber nada e por fim isso ser desdobrado até ser algo bonito e interessante para mim
(então sei que sei e que saber é diferente daquilo que se sabia).
É de uma coitadice… é de uma caipirice… é sertanejo… as pessoas não sabem,
mas a convenção do jornalismo é tão implicante.
Implica tanto! Ai! Só mesmo uma dança para expurgar a implicância da notícia.