domingo, 13 de novembro de 2011
Prosa de pijamas
Eu levanto-me da cama no meio da noite pra tomar um copo d'água. Nunca fiz isso. Passo pelo corredor das três portas: sala, banheiro e entrada. Está aberta, a luz do hall acesa, alguém acabou de subir. Ninguém faz barulho na casa, não foi ninguém daqui. Esqueceram a porta aberta. Não sei se é o suficiente pra sentir medo. Não senti nada, só achei bonito mesmo. A porta... a porta, a luz entrando recortada, aqui tem chão de madeira e só Deus mesmo explica esse meu amor por pisos de madeira... e a luz sobre ele. Amarela e quente. Tranquei a porta. Devagar, quase cênico auscultei pela madeira qualquer movimento que viesse de fora, mas estava só: o hall silencioso em madrugada. Só o barulho da luz se apagando. Me afastei do olho mágico como uma velha senhora, as mãos no peito fechando a camisola. Sou cênico, excessivamente cênico, performático, esquizofrênico. Nem mesmo no meu entre-sono eu me comporto. Saí arrastando os chinelos até a água (da torneira), vá! Dizem que é boa... calcária e o escambau.
Mesmo na cozinha encenei uma ceninha comigo mesmo, a luz branca e o barulho de vento. Olhei pra fora pela sacada o céu roxo do Porto, lembrei que descobri encantado, hoje mesmo, que estamos em frente à Nova York, reto em frente depois da queda bruta do horizonte: Nova York..! É pateticamente encantador. Não aproxima, mas encanta.
(...)
O frio é um pesadelo latino, pensei (pensei!), pareço um velho sem libido, ando cheio de olheiras... a umidade invadiu minhas gavetas. Cuecas geladas e mais um obstáculo intelectual.
(...)
Acordo do delírio, sardônico e irônico comigo mesmo: - vamos dormir, idiota! Falta luz do dia pra caber reflexão?
Me flagrei numa produtividade inoportuna, não gosto disso. Fiquei possesso: mais uma deixa pra encenar (claro!). Mas tenho funcionado muito nas horas inoportunas. É como ser criativo quando e enquanto assiste a algo criativo. No escuro do teatro, no meio da conversa. Uma ansiedade corrosiva, parece vontade de mijar (também no meio da conversa). É normal, mas é também terrível e egoísta. Porra! Que tristeza... uffff... quem aguenta tanto...? Me proibi de ter um bloquinho nessas horas. Me proibi de pensar, anotar registrar... acabei, obviamente, sem ideia nenhuma. Só simpatia. Sobra tempo e um eco retumbante na cabeça.
Voltei caminhando no corredor. Quatro da manhã no relógio de parede e a lentas passadas vou pensando o melhor de mim, quando tudo me ignora. Sinto cada impulso e pulso: vivo demais pra essa vigília furtiva (era só um copo d'água! Fuck!). Não bastava a toada, ainda parei pra espiar o hall pela porta grande, - linda, pensei. Já me ia encaminhar pra uma outra reflexão a altura, mas... Chega! Vamos dormir... dormir! Que fora de hora... que prolongamento!
Deitei na cama sob os roncos dos meus. Inválido pensante, o amanhã não há de usar esse material da caminhada pelo copo d'água, a própria água há de escorrer pelo bom dia de pau duro. Dorme-se, porque não há quê. Dormi de volta na acolhida do retorno, nunca pensei que fosse tão bom abandonar a cama pela volta, mas na volta não pude crer que já o havia feito. Tudo muito bem, breves momentos e já roncava em sinfonia, metendo-me logo com outros absurdos. O cérebro costurando as inutilidades da loucura, e daí a porta, a água e delirantes eus me construindo pro amanhã.
Tudo que penso em silenciosa serrapilheira fecunda.