quinta-feira, 22 de setembro de 2011
Portília
Lá o céu é amplo, extenso e sempre lindo. Aqui o céu tem cores cínicas, magistrais (e é sempre lindo). Lá as vias são longilíneas e tudo flui quando e quanto se pode. Aqui as ruas transam em resultados de adaptações seculares. E é lindo também. A sacada do duzentos e dezenove se desenvolve num "L" proibido e prostituto e aqui a do segundo-e é discreta num simples "P", de poltrona. Temos uma poltrona na sacada daqui, o que seria agradável de termos lá, mas lá chove sempre aquela chuva de varreduras que cuida das limpezas que não fazemos jamais. Aqui tudo é disforme e em Brasília tudo é forma se deitando pros olhos. E aqui é lindo. E lá também. Eu já mergulhei no Paranoá e no Mondego e vi o Douro e o Tejo, para além do qual há a América, onde fica este primeiro. Todos são lindos e minhas aldeias. Aqui se fala escavado e polido com as mesmas palavras com que ali não se faria igual tarefa, e aqui se rebola com o que ali se rolaria. Aqui tenho amigos furtivos e recentes sementes que me comovem como as cascudas árvores de lá. E são lindos e desejosos os dias que aqui tenho, como o são os dias que lá tive, tenho e terei. Aqui é meu tempo que sucede o meu tempo de lá e que o precede fatalmente. Lindos aquis e lás dos meus longos estares, sucessivos seres e venceres: se falas com 'tu', que sou 'eu', que vivo em ambos e que em mim vivem. Lá são segredos, aqui debocho. Aqui são banais o que ali são luxos. Aqui me desmorona e de súbito estou lá, que é meu fundo e profundo e que só é lá porque estou cá, já que assim, além de lindos ficam mágicos e de geografias passam a instâncias: dum tempo, dum erro e da sorte que tive de estar um ponto entre os dois extremos. Magnífica estrada que não convinha trilhar, mas (que coisa!): já trilho.