sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

O não A


Um homem entra numa via sem volta e sofre tortura das maiores do universo: concebê-lo.

Após poucos minutos, talvez milésimos em que se expôs a essa violência totipotente, sai da máquina dando passos esparsos e lentos, sem nenhum medo da vida. Não reage a absolutamente nada, mesmo seus átomos estão congelados em solene espera. Passa pouco tempo, nota-se a fração do quadrante superior direito de seu rosto começando a se desdobrar para fora da face, a tez se abrindo em linhas e cortes e se desencaixando do todo. É como uma peça de uma montagem de blocos empilhados que de repente tomba para fora da montagem, o olho, desde a altura da têmpora fica pendurado ao lado do alto da bochecha como se fosse um pedaço de pele morta, mas rígida, como se de porcelana pintada, desdobrado sobre a cútis viva.

Como que se derretendo em sólidos.
Como que desmontando-se.

Assim que caíram os primeiros blocos a estrutura do corpo se rompia em peças que tombavam sobre outras peças e percebemos que todo o corpo havia se desmontado em um quebra-cabeças, em que um elemento debruçava-se sobre o outro reajustando a figura e provocando um movimento de reconcepção infinito. O movimento sobre si mesmo, eternamente, por toda a dimensão sombria dos anos. Castigo absurdo. Coitado! Obra inacabada. O homem que concebeu o universo percorreu todas as vias do inconcebível se montando e desmontando numa eterna composição frustrada, que nunca se adequa, que não se goza. Apenas move-se.






(à bulangéria, às flores e à parede branca da casa da Isoca, lisonjeada por não mais o ser)