segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Oitenta e sete

Sou um velho que abandonou a casa e ganhou a rua por conta de um delírio. Sequer tranquei a porta, senti que voltaria logo. Abandonei meus móveis, a compania inerte do ar assentado da casa, as canções ecoando repetitivas e insuportavelmente acolhedoras. Sou um velho em chamas que perdeu os pudores e por alguns dias visitou centenas de cidades imaginárias. Perdido e voluptuoso. Rompi com a moral dos meus remédios, chinelinhos e chás. Sou o velho dos monólogos de espelho e à parte: às paredes. Voltei. Enquanto meu amor foi correndo forte demais nas veias enrijecidas, de muitos anos cansadas, o chorume escorria na beirada das pás dos tratores, nos lixões, e soldados viravam fotos nas guerras. Eu só amava. Um país entrava em colapso, dona Fulana pisava no continente asiático, era a primeira viagem que fazia sozinha, a primeira alegria que sentia sozinha. Eu só amava. Daí voltei, quando um dia me disseram que fim. Voltei com meus cacos. Vestido de frívola sabedoria, voltei à casa velha. Meus móveis iguais, eu os reparo carinhosamente. Lentamente. Suave, vou me recompondo ao corpo: eu-casa. Estremeço só de pensar na saudade estrangeira que me habita. O silêncio é leveza, no coração sinto muitos apertos. (Sinto). A solidão me é tão mais familiar que o amor.