domingo, 14 de agosto de 2011

Décalage

Ergo-me de solavanco, sou forte quanto nem me lembro.

Sai dos meus poros, pouco do mundo.
Desaloja os meus recintos, pobreza.
Desocupa meu solo, desata.
Quero render alimento.

Sai, amor de engano, que polui meu canto com vão mistério.
Sai, amor errante, zombeteiro, nebuloso.
Quero cada letra, quero gritos. Sou homem.

Tenho missão, não me envenena.
Chora, comove: tu.
Quero amor a minha língua, quero meu lixo visto, sou fraco.

Fala por mim, corpo
(que eu sinto tantas coisas que tenho que contar).
Traduze meu abalo, meu universo.
Desabita-me, sucesso, logro.
Habita-me, sorrateiramente, arte.

Socorre minha memória, zelo.
Zela pelos meus pais e pelo meu desafeto crescente.
Perpetua meu sangue quando ferve de comoção por meu povo,
ei-lo: é um.

Salva do afogamento as lágrimas que verti de pureza.
Salva meu entendimento repentino,
salva meu delírio esclarecedor.
Os necessito.
Mesmo que o dia vire, salva-os.

Escapa do meu sonho, resto de cansaço, o tempo me esqueceu sentado aqui.
Me deixa operar, primo, construa comigo minhas casas, o amo.

Abre seus becos e bocas, rua, atende seu filho,
me encaixa gente viva na história, preenche-me.
Mata os difuntos acesos, meus excessos, minhas bestas erudições.

Toca-me, mundo, que és bonito.
Toma-me como parte, partilho.

Sofra comigo, levanto-me, curo-me.
Mereço ser homem novo,
Sou homem novo.

Escuta-me, coisa qualquer, espírito, que seja.
Falo, evoco, invoco,

me desconsolo:
sou abismo que me separa de minha própria existência.