terça-feira, 2 de novembro de 2010

Meu dia

Acordei tarde. Ela em cima da minha cama, mas na de cima. Tarde. Não deu pra almoçar. Voltei pra cortar o cabelo. Fiquei uns anos mais novo e mais limpo. Não deu ainda pra dar uma resposta pro espelho. Meu amigo chegou. Ele nunca veio aqui. Eu também estou aqui há pouco. A casa nova já é uma bagunça. Nunca vou ser organizado. Saí pra comer a comida que ajudei a comprar. Comi bem. Falei sobre viajar. Visitei a pensão. A dona continua velha e madrinha. Gosto do café e de seus hábitos. Fumamos. Ela fuma muito. Será que morrerá disso? Será que antes de mim? Fumamos outra vez. Estamos fumando em cigarros separados. Deve ser a separação. Choveu. Choveu o dia todo. Pensamos na noite. A noite é sempre uma atribuição desnecessária. Nos dá preguiça, mas somos seus entusiastas frustrados. Voltei. Não queria subir, nem ficar. Meu primo estuda bastante agora. Engraçado como isso tem tudo a ver com arte. Ele é sereno e meio corcunda. É um menino bonito. A casa estava uma bagunça. A culpa é também minha. Desci. Encontrei uma nova vizinha que me lembrava alguém. Quem sabe sejamos amigos. Aprendi que nunca se sabe que. Vim ver um filme que comecei a ver ontem. O filme é um duelo. Sempre um duelo. Não dá pra ficar no filme e sair da vida. Nem o contrário. Às vezes dá vontade de tocar qualquer coisa que está perto. Só pela proximidade, que é meio imã. Ainda desenvolvo uma teoria sobre isso. O filme acabou. Eu desci pra fumar. Fumo muito por causa da pensão. Na verdade, sempre quis fumar muito. Não é possível que isso vai me matar também. Fiquei fumando e andando com frio. Quando chove, a fumaça é mais grossa e precipita. Parece que estou pensando mais, mas é só um estímulo visual maior. FIAT. Aparecia FIAT. Nunca tinha reparado que o A é mais torto. Alguém pensou nisso e eu duvido que alguém já reparou. É impossível fugir da vida, dos carros e dos fatos. O mundo é notícia. Meu dia é curto. Eu penso. E penso que penso. Acho que não vou ter um carro antes dos 30. Não vai ser por falta de dinheiro. Subi. Tenho as meias nas canelas. Ser feio. Sentei pra escrever, porque já pensava em escrever. Quando escrevo, leio o que escrevo, totalmente afetado pelo tom da narrativa do filme. Ela é linear e seca. Não tem tom. Cada ponto é um fim de frase modorrento. Ninguém vai entender. Eu me sinto imensamente confortado por isso. Eu sou maior do que tudo que já vivi. E, de repente, tudo isso pode ser verdade. Pai, eu nunca vou ser você, porque você nunca me foi.