sábado, 20 de novembro de 2010

Lúcifer

Filho,

um dia o papai olhou pro Sol e amou.
um dia o papai tava sentado assim, vivendo bem, sabendo que era assim que se vive, olhou distraído pro Sol, sem saber do poder imenso que tem o Sol e descobriu tudo.
Filho, um dia o papai olhou pro Sol e viu que tudo só podia vir dali, era imenso demais todos aqueles líquidos que saem do Sol e se derramam nos concretos brancos de Brasília, filho, o papai nem sabia se fugia, se entrava no bloco, subia as escadas, fechava as persianas. Acho que o papai não podia, porque nesse dia em que o papai olhou pro Sol ele viu absolutamente tudo. E o papai percebeu que se as coisas são assim tão cobertas pelo Sol, tão violadas por sua indecência incandescente, tão estupradas por seu brilho, se as coisas são assim, o papai pensou que tudo só podia vir dali e era então como se o papai entendesse que na verdade o Sol era terra, terra fértil que rendia tudo de nós, e era a Terra que iluminava o Sol porque eram por direito os primeiros amantes possíveis, e nesse amor de cuidados que o Sol nutria pela Terra, ficava cativo de uma outra luz em troca. Por isso tantos presentes, filho, por isso tanto brilho, tanto verde no verde solar, tanto azul no azul que amanhece. Filho, um dia o papai olhou pro Sol e viu você, meu Deus, como viu. É bonito assim, é simplesmente bonito, por isso cansa, por isso irrita, filho, como te escrevo. Mas não. Está tudo lá, a história e a História.

Filho, um dia o papai olhou pro Sol e nasceu.