terça-feira, 14 de setembro de 2010

Chacina

As questões talvez nunca mudem, ainda que respondidas.

Vale a pena talvez ir matando pouco a pouco alguns exemplares tiranos da perfeição. Vale a pena matar todos os europeus e sua maldita boa vida, praças no verão, prédios históricos, os telefones e o metrô impecável. Todos os mitos, as vilas, os postes. Vale a pena matar poetas e mais poetas, lançá-los em vala comum. Matar Caio Fernando, Gabriel García, os sustos de Lispector. Aniquilá-los! Desgraçados! Nunca vou conseguir ler toda essa dor. Vale a pena ir matando os talentosos, são tantos! Designers moderníssimos, traços, balões em lugar de cabeça, muito sexo explícito, trangressões sem sentido, nonsense com sentido. Com certeza vale a pena matá-los. São uma praga, nós sofremos por eles. Vale a pena assassinar o café, o cigarro, a página amarelada, a fotografia amarelada, o namoro em Paris, o batom vermelho. O batom. Vale a pena destroçar todo e qualquer mochileiro, as trilhas da América Latina, suas veias abertas, Machu Picchu, o deserto de sal. Mataremos a China e a nova onda budista. Os sorridentes. A beleza do cerrado, o céu de Brasília, a casa de Cora. Vamos destruir tudo! Maceió, Bariloche, os alpes suíços, os Jardins de Sabatini, o Everest! São apenas sonhos amargos! Vamos destruí-los! O surrealismo, tão longe, tão longe... Vamos rasgar Limite, esquecer Caetano, o álbum branco dos Beatles e o Dark Side of the Moon. No lixo, no fogo! Vamos trucidar as morenas e as loiras e o queixo de Marlon Brando, todos os Oscars, Golden Globes e joias de família. Todo o dinheiro, títulos e posses, Tudo! T U D O! Tudo o que sei e quero, todos os meus desejos e vísceras. Todo o meu incompleto, meu infinito, meu inalcançável! Todas as minhas questões e medos!! Todo o meu futuro distante, o meu passado aleijado. Tudo o que se arrasta sobre mim e corta. Vamos queimá-los! Matá-los! Nunca poderemos alcançá-los. E se o mundo for belo em vão?