sexta-feira, 4 de junho de 2010

Das Leben der Anderen

Caía uma chuvinha irritantemente fina, eles gritaram juntos, disputando sair pela mesma porta o mais cedo possível, na angústia de se acabarem um antes do outro. A porta em si havia sido um grande sonho. Três degraus que os levariam facilmente à rua e isso poderia ter sido um plano pra facilitar o abandono assim como a feitura do amor às pressas, a vida às pressas, ainda que ter para onde voltar seja sempre de um conforto vagaroso e envolvente. Ela saiu primeiro, por fim, eu de longe enxergava suas frases mudas sob a chuva, um pranto inquebrantável. Ele a puxava pela manga da blusa branca, sem roupa íntima pra cobrir os peitos sadios. Ele com aquela feição do desespero irreparável, tentando arrancar pedaços da vida dela, e espalhar ali pela calçada. Tudo feito sem nenhum plano, ela dobrada sobre si mesma, despejando os lábios sobre o queixo, destroçada. Antes essas faces do desapego me remetiam muito a sofrer. Hoje acho belo e explosivo. Ela foi desenrugando a roupa ensoupada em gestos de desprezo, praguejando ao avesso do fluxo do peito. Ele seguia seus passos decididos como se soubesse onde iam. Passaram por mim despercebidos enquanto eu trancava o meu carro pela terceira vez só pra que pudesse me manter ali, espectador da tragédia. Raios imensos de sopro e de fim tomavam meu corpo embriagado, era lindo! Era imenso! Ela se agachou quando atravessaram ingênuos o pandemônio na avenida. Havia um jardim do outro lado cujas árvores em círculo fechavam uma arena onde vinha morar o sol nas horas vivas do dia. Ela parou de repente como se sentisse que chegara. Éramos três nos molhando da mesma chuva. Ela chorava mais do que nunca e eu já rangia os ossos de júbilo, mordendo o forro fino da camisa, entortando os dedos no meu sadismo. Sorria. Ela quebrava-se toda em cacos imensos, eternamente engasgada, queria dizer. Ele a olhava implorando piedade, os olhos murchos e frescos. Olhando de perto, cortando seus corpos desnecessários, mirei a fragilidade das mãos trêmulas querendo ser tocadas, os braços estendidos e a coluna emborcada. Ela engasgada começou a falar. As melhores frases não vêm na hora mais densa, vêm ao fim do dilúvio, serenas e inadiáveis, pensei. Está perdido. Eu li em seus lábios finos, traduzindo aquela dor tão sincera no meu contentamento distante. Está perdido. E nada mais cruel e óbvio, que beleza nesta amargura! Que pureza nos meus impulsos! Entrei no carro e dei a volta, rodeando os dois, meu gran finale, minha panorâmica desértica. Eles estáticos e abandonados, tão fora do trilho, tão deformados. Olhei pras minhas próprias pálpebras embebidas no meu olhar de fascínio, fechei-as e mergulhei nessa lembrança doce, meu êxtase. O mundo gritava na aspereza dos seus acordes dentro de mim e eu sorria insanamente vivo.